
Da Industrialização Inicial à Desindustrialização Prematura
A história da industrialização brasileira é marcada por avanços significativos e retrocessos estruturais, compondo um percurso complexo que articula política, economia e sociedade. Desde o início do século XX, o país passou por diferentes etapas de industrialização, atravessando momentos de ascensão e de estagnação, com implicações diretas na sua capacidade de gerar crescimento econômico, reduzir desigualdades e fortalecer sua soberania.
O processo teve seu marco inicial no período entre 1901 e 1929, quando o Brasil ainda era dominado pelo modelo agroexportador, com forte presença da cafeicultura. Nessa etapa, a industrialização era limitada, centrada em bens de consumo simples e subordinada aos interesses do setor agrícola. Contudo, fatores como a imigração, os investimentos em infraestrutura e a ampliação do mercado interno criaram condições para o surgimento das primeiras indústrias.
Foi a partir da crise de 1929, com o colapso do modelo agroexportador, que se intensificou a industrialização. Segundo Celso Furtado, as medidas para sustentar o preço do café e enfrentar a crise – como a desvalorização cambial e o controle de importações – geraram, como subproduto, um ambiente favorável à substituição de importações. No entanto, Fonseca (2003) argumenta que havia intencionalidade política nesse processo, com políticas deliberadas de estímulo à produção nacional, como a reforma tarifária de 1934 e a criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil.
Durante o governo Vargas, consolidou-se um projeto político-industrial, com forte atuação estatal. Entre 1933 e 1980, o Brasil viveu um ciclo de crescimento industrial robusto, apoiado na substituição de importações e na criação de instituições voltadas ao financiamento, à capacitação técnica e à infraestrutura. Planos como o de Metas (1956-1961) e o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979) ilustram essa fase de industrialização estruturada, na qual o Estado era o principal indutor do crescimento.
A indústria brasileira tornou-se mais diversificada, com crescimento das cadeias produtivas, aumento das exportações de manufaturados e urbanização acelerada. Contudo, essa estrutura ainda apresentava limitações, como a concentração de renda, a baixa incorporação tecnológica e a dependência externa em setores estratégicos.
A partir dos anos 1980, o Brasil enfrentou um processo de desindustrialização precoce. A crise da dívida externa e a prática de políticas macroeconômicas liberais interromperam o modelo desenvolvimentista. A abertura comercial sem salvaguardas, a valorização cambial e os juros elevados comprometeram a competitividade da indústria nacional. Com a liberalização dos anos 1990, houve retração do investimento produtivo e desarticulação das cadeias industriais.
O setor industrial, que respondia por mais de 26% do valor adicionado da economia em 1980, passou a representar apenas 13,3% em 2023 (Feijó, 2024). Essa perda de relevância econômica ocorreu sem que o país tivesse alcançado uma base tecnológica robusta, resultando em maior dependência de commodities e produtos de baixo valor agregado. O Brasil voltou a concentrar sua pauta exportadora em itens primários, intensificando a heterogeneidade estrutural da economia.
Esse fenômeno gerou impactos sociais e econômicos profundos, como o aumento do desemprego industrial, a redução da complexidade tecnológica e o enfraquecimento da soberania produtiva. A desindustrialização também comprometeu o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, que sofreu com cortes de investimentos, fechamento de centros de pesquisa e evasão de talentos.
Reindustrialização como Estratégia de Soberania e Sustentabilidade
Nesse contexto, a reindustrialização do Brasil emerge como necessidade estratégica. Não se trata de repetir o modelo protecionista do passado, mas de promover uma transformação estrutural voltada à inovação, à sustentabilidade e à inclusão produtiva. A Nova Indústria Brasil (NIB), lançada em 2023 e atualizada em 2025, representa uma tentativa concreta de reconstrução da base industrial do país.
A NIB propõe um novo paradigma de desenvolvimento, articulado em torno de missões nacionais que integram objetivos econômicos, sociais e ambientais. Entre seus pilares estão: a valorização de setores de alta produtividade e baixo impacto ambiental; o estímulo à inovação com apoio à pesquisa e formação de capital humano; a agregação de valor à base produtiva nacional, especialmente nas áreas da bioeconomia e da energia limpa; e a promoção da competitividade sistêmica, com crédito de longo prazo e fortalecimento das compras públicas.
Além disso, a NIB está alinhada ao Plano de Transformação Ecológica (PTE), que insere a reindustrialização na agenda da sustentabilidade. A indústria verde, baseada na economia circular, na digitalização e no uso racional dos recursos naturais, é apontada como caminho para reconciliar crescimento econômico com responsabilidade ambiental.
Contudo, o sucesso desse novo ciclo industrial depende da superação de entraves macroeconômicos. A atual arquitetura baseada em metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante tem se mostrado inadequada para estimular o investimento produtivo. É necessária a construção de um regime macroeconômico compatível com a política industrial, que assegure um câmbio competitivo, taxas de juros adequadas e política fiscal anticíclica.
A experiência internacional reforça essa visão. Países como China, Coreia do Sul e Índia mantiveram políticas industriais ativas, coordenadas com regimes macroeconômicos favoráveis ao investimento e à inovação. Esses exemplos mostram que a reindustrialização exige um projeto de país, que una Estado, setor privado e sociedade civil em torno de objetivos comuns de longo prazo.
Reindustrializar o Brasil é uma tarefa estratégica, que envolve soberania, progresso e inclusão social. A dependência excessiva de exportações primárias torna o país vulnerável a choques externos e impede avanços sustentáveis. Ao recuperar sua base industrial, o Brasil pode fortalecer seu mercado interno, dinamizar as regiões menos desenvolvidas e promover desenvolvimento econômico mais justo e duradouro.
Em síntese, a industrialização brasileira foi uma construção histórica que, apesar das contradições e interrupções, representou um vetor central de modernização e crescimento. A desindustrialização precoce corroeu parte dessas conquistas, aprofundando desigualdades e limitando o potencial produtivo do país. Diante dos desafios contemporâneos, a reindustrialização não é apenas uma alternativa desejável, mas uma necessidade urgente para a construção de um Brasil mais soberano, inovador e sustentável.
Fontes:
Carvalho, A.R.de. 2024. Industrialização e desindustrialização no Brasil: teorias, evidências e implicações de política. Brazilian Keynesian Review, v.10(2), p. 489-495. Disponível em: https://braziliankeynesianreview.org
Feijó, C. 2024. Transformação produtiva e Nova Indústria Brasil (NIB). Revista Tempo do Mundo, v.36, p.58–74. Disponível em: https://doi.org/10.38116/rtm36art2
Fonseca, P.C.D. 2003. Sobre a intencionalidade da política industrializante do Brasil na década de 1930. Revista de Economia Política, v.23(2), p. 119–135. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rep/a/P6bBLKbsJYnc3hT33thrc9S/
Suzigan, W. 2000. Industrialização brasileira em perspectiva histórica. História Econômica & História de Empresas, v.3(2), p. 7-25. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ecos/a/QvvDGD3DPwRHKVCJpKv455v/